Retrospectiva:
Quatro estações de lá pra cá.

A primeira edição do “Raízes” brotou sem que ninguém esperasse por ela.
Primavera de 2023. - São Carlos
Encontro bom, reverberou adiante.
Daí o verão, ano novo, “Vento em Popa”
Oportunidade de estar na Ilha - só estando lá pra saber:
Gamboa, Penha, Amoreiras, Misericórdia,Barra Grande
Ponta de Areia.
Fim de verão, começo de outono,
Vivência com Mestre Jaime de Mar Grande para acabar com a saudade: Angola na roda.
Inverno de 2024 - Rio Claro
Mandinga de angola, festa com motivo para comemorar.
Primavera de 2024 - Quem esperava?
Segunda edição do “RAÍZES QUE VEM DE LONGE”, mesmo neste tempo seco - REGANDO AS NOSSAS RAÍZES.
Confira a Programação

O que é o evento?

Raízes - Regar aquilo que vai crescer na gente.

O evento “Raízes que vem de longe” é a materialização do reconhecimento e do encontro entre capoeiristas, que se reúnem para homenagear, celebrar e aprender com a presença de Mestras e Mestres da cultura popular. Neste aspecto assume caráter de festa, mantendo a tradição daquilo que se sabe ser uma das facetas do passado da capuêra; as festas de largo, os momentos de folga no cais do porto, nas feiras e nas ocasiões domingais. No momento presente, dentro do contexto urbano do interior do estado de São Paulo, esse encontro configura-se como uma resistência ao ritmo maquinal da luta pela sobrevivência, porque instaura um espaço-tempo festivo, que se mantém pela disposição das pessoas que participam do encontro, fortalecendo uma antiga comunhão que remonta a tradição da capuêra angola.
Assim um dos objetivos do evento é que mais pessoas possam ter acesso a este tipo de experiência, justamente porque a multiplicidade de pontos de vista e de modos de viver, vem a somar na caminhada pessoal de todas as pessoas envolvidas. Em um evento como o Raízes que vem de longe, pessoas de diversas regiões do estado e do país se deslocam para um mesmo ponto geográfico com os mesmos objetivos de partilhar e festejar o presente. Neste cenário - a roda - que é o formato orgânico da capuêra tanto durante os jogos quanto nos momentos de conversa - que na Paraguassu chamamos de “papuêra” - é um local e um momento onde se pode acessar simultaneamente o passado e o presente através do conteúdo materializado na fala de cada pessoa presente. Como consequência do ato de olhar para um passado, ressignifica-se o presente e vislumbra-se o futuro. Esse vislumbre germina da roda de capuêra que é uma metáfora da vida, conforme relembra Mestre Jaime de Mar Grande, quando diz: “O centro da roda é o centro da vida”.
Assim, de acordo com a pluralidade das pessoas que se fazem presentes, temas de relevância brotam e rebrotam no papos que tem como cerne a própria questão de ser e estar no mundo. Ainda que todas as pessoas tenham na roda oportunidade de falar, o ouvir assume um caráter mais fundamental, justamente de acordo com o provérbio africano: “Quem não se senta para aprender, não pode se levantar para ensinar”. Sendo assim, outro ponto de destaque é a valorização da própria matriz cultural africana personificada de maneira multifacetada na figura das mestras e mestres que vem ao evento para compartilhar suas trajetórias e experiências, marcando mais uma vez a permanência da resistência ancestral.

Segunda Edição

Outono/Inverno - De fora pra dentro.
Primavera/Verão - De dentro pra fora.
Celebração - Quanto mais compartilha, mais cresce.
Quem está preparad@
Venha!
Esta segunda edição vem na célebre toada “Fogo na Canjica” tão típica da Paraguassu. O encontro é festa, festejo, confraternização, comemoração, ao esforço que cada pessoa faz no dia a dia, à essa arte que a gente considera nobre, à própria vida. Para quem quiser vadiar, o mestre já garantiu: “Aqui as rodas só terminam quando o berimbau para.” Para quem quiser saber - “que tempo é esse que a gente vive?” - venha para falar e ouvir: Amanhã soa o que foi dito ontem.
Traga o axé para alimentar os ancestrais e celebrar a trajetória. Pra quem quiser dançar - traga o corpo leve - disponha-se e dance. E pra quem quiser um respiro, venha pro sítio, retiro de samba, capuêra, maracatu, quem sabe um forró e o que mais pintar no palco aberto. E se bater canseira, piscina de água fria e sol do meio dia: a pessoa já se põe de pé.
Dia, noite, dia, noite, dia - a festa é a gente quem faz.

Programação

Sexta dia 20 de setembro

Das 14h às 15h - Chegada, acomodações e montagem das barracas.
15h:30 - Café da tarde
16h - Abertura do evento
16h:30 - Vivência com Mestre Augusto Januário e Angola na Roda.
19h30 - Jantar delicioso da Renata e Élcio.
21h - Arrasto Maracatu Rochedo de Ouro.
21h30 - Palco aberto “Apresente-se”

Sábado dia 21 de setembro

7h - Alvorada e “Uma aproximação aos calendários lunissolares Andinos”.
8h - Café da manhã.
9h - Saída para Feira Orgânica.
9h30 - Vivência de berimbau e musicalidade com Mestre Jaime de Mar Grande (traga seu instrumento, se não tiver berimbau pode trazer outro que goste de tocar)
11h - Retorno ao sítio e descanso/trilhas/piscina
12h Almoço
13h30 - Vivência: Quem foi ou quem é de fato Paulo dos Anjos, nas palavras de Jaime.
15:00 - Café da tarde.
15h30 - Vivência com Mestra Elma: capuêrando a Vida.
17h - Angola na Roda
19h - Jantar
20h - Homenagem ao Mestre Izael (Pena de Ouro).
21h - Samba de Roda Paraguassu na Linha do Mar

Domingo 22 de setembro PRIMAVERA

7h - KULLA RAYMI, celebração do equinócio de primavera.
8h - Café da manhã
9h - Dança Afro - com a Professora Naty do Pará.
11h - Vivência com Mestre Santa Rosa
13h - Almoço
14h30 - Angola na Roda
16h - Fechamento do evento

Inscrições abertas!

R$ 270 - com camping e refeições.

INCREVA-SE

Sítio Manacá
Estamos aí.

Venha no sítio para ver
um passarinho que você nunca viu
beirada do mato

Venha no sítio para ouvir
Começo da manhã e fim da tarde
O grilo, o gavião, as maritacas
e a rodovia, essa falta de educação.

O que é o sítio?
Limite aberto
Pergunta que vira resposta.

O sítio Manacá - agora é poesia da vida - situa-se em um pequeno vale, sobre um antigo deserto, daí aqui ser recarga do aquífero e daí estarmos dentro de uma área de proteção de mananciais, mas o que preservou a mata que ainda resta por aqui foi o relevo e o solo arenoso. A vegetação é o cerradão misturado com a floresta que perde parte das folhas na estação seca. Espetáculo bonito na rebrota, principalmente das folhas novas das Copaíbas, que ficam laranja no meio dos verdes das outras árvores. Pra bicho, além da gente, aqui ainda é passagem: Macacos sauás, jaguatirica, tatu, veado, tamanduá, lobo-guará, irara, gato mourisco, quati, sussuarana, são os que alguém viu. Passarinhos tem de monte. As Curicacas, por exemplo, vizinhas, acordam e dormem cedo no eucalipto. No brejo sempre canta o Acauã, e a Juruva olha de dentro da mata pra gente e a gente só olha pra ela depois.
Tudo isso ressoa durante nosso encontro, porque tudo isso está aqui.
Ressoa também o correr do riozinho que junta a água das nascentes e corre pra cair no rio maior e no maior até chegar no mar. Esse mesmo mar oceano que se vê de Floripa, da Bahia, de Angola.
Não existe sítio - tudo é a Terra.

Luzes desta edição.

Mestre Jaime de Mar Grande

Mestre Jaime de Mar Grande é o timoneiro da festa. Nascido na Gamboa, Mar Grande - Ilha de Itaparica. Viu a capuêra brincada pelas crianças na beira do mar e já faz quase 60 anos que procura esta liberdade nas rodas que vive. Quando vem traz na matula pouca coisa, mas não coisa pouca: o samba de roda tradicional da Ilha, o dendê lá do espaço, e aquela levada que é fogo na canjica. 

Mestre Augusto Januário

Mestre Augusto, frequentador da praia de Boa Viagem e saído de bom porto, iniciou a capuêra na primeira metade da década de 1970. Participou desde então de inúmeros eventos da capuêragem, na Bahia, no Brasil e no Mundo. Desenvolveu a habilidade, como constata quem o ouve, de jogar com as palavras a favor do movimento. 

Mestre Santa Rosa

Será que o Mestre Santa Rosa não era um menino olhando a roda numa dessas fotos antigas da capuêra de Salvador? Ou será que o olhar de menino do mestre é que reflete a capuêra antiga? Ou será que a capuêra de antes mostra na roda de hoje o menino, antigo habitante: José Walter Santa Rosa? O que se sabe é da confluência da vida: Morador da segunda travessa do Marotinho. Nas palavras dele:
“sou de Salvador
sou sem aderente
sou aquele, José Plebeu Relé
Como pão do Israelita.
Pizza = Toscana, Siciliana, Palermo, Roma, que sacrilégio
Mas, quero o jardim do Éden
sou vida
Verbo, sou de 53.”

Mestra Elma

Mestra Elma nasceu na baixada maranhense, foi iniciada na capuêra em 1986 por Mestre Patinho em São Luís/MA, na Escola de capuêra Angola Laborarte. Em 2004 foi reconhecida Mestra de capuêra Angola por seu mestre e a comunidade da capuêra maranhense, sendo uma das primeiras mulheres a fundar uma organização de capuêra, o grupo nZambi de capuêra Angola.
Mestra Elma atua continuamente na preservação e difusão dos valores e da tradição da capuêra Angola, na inclusão das diversidades, no protagonismo das mulheres e na valorização da cultura popular afroindígena.
Atualmente mora na costa de Dentro, região de matas nativas no sul da ilha de Florianópolis, onde coordena as atividades da Awá Escola nZambi de capuêra Angola, uma casa de cultura comunitária e plural, onde realiza atividades diárias, treinos, rodas semanais, práticas de agrofloresta, encontros culturais e formativos reunindo artistas locais, capoeiristas, pesquisadores, Mestras e Mestres de Cultura Popular de várias regiões do Brasil.

Mestre Izael

Quem visitou a Pena de Ouro na sua antiga sede da rua São Paulo sabe das muitas fotos que haviam por lá. Em uma delas estava o mestre voando, os dois pés na direção do peito de alguém. Era a década de 1980.
60 anos depois que o menino Izael sentiu sua alma tocada quando viu a capuêra apresentada dentro de uma escola pública no centro da cidade de São Carlos Mestre Izael vem para o Raízes com muita história pra contar. Quem for jogar com ele, cuidado pra não sair voando.

Essa é a Paraguassu.

A Paraguassu é uma associação cultural que tem sede na Gamboa, município de Vera Cruz, Ilha de Itaparica - BA. Estruturada sob as tradições e costumes orais, tendo como foco a capuêra angola e o samba de roda e o trabalho realizado, mediado pelo mestre Jaime de Mar Grande, é raro e extremamente transformador em sua essência, pois atua profundamente nos valores intrínsecos do ser humano.
Respeito, ética, sinceridade e liberdade são os fundamentos desse trabalho, em que é sempre dito e discutido que: “padrão está fora da tradição e que para ser um grande capuêra tem que ser um grande ser humano”.
Assim o mestre já disse que quer ver nos alunos e nas alunas o que ainda não viu; criatividade, espontaneidade, diversão e liberdade”. Daí também a famosa frase que pode ser lida nos espaços da Paraguassu: 
"A padronização do movimento é a prisão do pensamento, ser livre é pensar e movimentar-se livremente."
    A coerência se faz na prática deste conceito. No processo de aprendizagem cada pessoa é estimulada a encontrar o seu gingado, a sua maneira de se manifestar através da capuêra.
    Neste trabalho são muito valorizados os espaços de conversa. Em todos os encontros as pessoas sentam em círculo e dialogam coletivamente, não existindo centralidade na fala do mestre, nem sendo fomentada uma hierarquia. É um espaço onde as pessoas prezam a habilidade de ouvir as outras.
    Além disso, existe um cuidado em se apropriar criticamente da tradição da capuêra para que ela seja realmente emancipatória. Existe o entendimento de que “padrão está fora da tradição”, assim é construído um aprofundamento que proporciona a compreensão do porquê e do para quê de cada fundamento, de cada ritual existente na capuêra.
   Dessa maneira ninguém fica repetindo gestos, nem imitando trejeitos, todas as pessoas são criadoras e ao mesmo tempo mantenedoras críticas da tradição.
    Por exemplo, uma capoeirista perguntou: “mestre Jaime, o que é mandinga?” e ele disse:
    “Não tem ninguém que pode ensinar mandinga pois é algo muito individual, pessoal e discreto; jamais outra pessoa pode saber o que você pretende com a mandinga que você está fazendo, porque senão ela deixa de ser mandinga, deixa de ser um ato de surpresa, defesa e ludibriação; a mandinga hoje está banalizada, vulgarizada no mundo da capuêra, ela não precisa necessariamente de gesticulação dos braços; mandinga está no ato da sua intenção, do seu pensamento, pode ser de ataque ou de defesa; a gente tem que saber o porquê e o para quê está fazendo; a gente não deve aceitar e nem praticar algo que a gente não entende; mandinga é uma coisa que você vai construindo ao longo dos anos, da sua trajetória e tem a ver com algo que jamais poderá ser divulgado, jamais poderá ser visto; jamais poderá ser uma coisa padronizada”.
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A crítica da tradição é uma observação valiosa do passado e um importante reconhecimento do presente. Para mestre Jaime a capuêra hoje é 30% do que era antigamente. A identidade da Paraguassú implica não aceitar a legitimação da história de um saber colonial, compõe o desafio à latência colonial, visto que engendra a presença de multiplicidades epistemológicas e a possibilidade de relações não aniquiladoras, em que se privilegia o diálogo entre saberes.

Na Paraguassu a relação entre aprendiz e mestre pauta-se na amorosidade.

É regida pelo diálogo aberto, se fazendo valer da empatia recíproca para despertar no outro a vontade de ser um ser humano melhor. Ela instiga a troca de saberes oriundos das vivências de cada ser humano, assim, cada pessoa contribui com o seu saber empírico, influenciado pela sua cultura, seu meio social, e traz para o diálogo reflexivo e crítico a sua subjetividade, podendo aí, existir uma identificação com o outro, reforçando a relação de ambos, referenciada por vínculos afetivos.

A filosofia de vida de Mestre Jaime vai ao encontro da filosofia ​Ubuntu​, que “consiste nos princípios da partilha e do cuidado mútuo”. Há dois aforismos que ilustram muito bem esta filosofia:

motho ke motho ka batho - “​afirma que ser humano é afirmar a humanidade própria através do reconhecimento da humanidade dos outros e, sobre tal embasamento, estabelecer relações humanas respeitosas para com eles”.

feta kgomo o tshware motho ​- “significa que se quando uma pessoa enfrenta uma escolha decisiva entre a riqueza e a preservação da vida de outro ser humano, ela deve optar pela preservação da vida.”

As pessoas geram sentidos, se fazendo sentir, mergulhando em uma atmosfera de respeito, compartilhamento e muita disposição, pois a imersão nos saberes populares demanda atenção a uma nova forma de aprender, disposta a quebrar os padrões negativos que todas e todos cultivamos diante da liquidez, efemeridades e superficialidades que são algumas relações (des)humanas. É prezado o exercício de não se sentir nem mais nem menos que as outras pessoas. Há um contínuo estudo do porquê que a outra pessoa interpretou algo de maneira diferente da sua. Os encontros proporcionados pela Paraguassú promovem um contato sincero entre as pessoas em um ambiente sem competição e que propicia trocas sinceras.
Quando presenciamos os eventos na Sede da Paraguassu, pudemos perceber que mestre Jaime envolve e valoriza todas as pessoas de sua comunidade e, muitas vezes, evidencia potencialidades de pessoas que seriam invisibilizadas pelo sistema. Dessa maneira, a Paraguassu reconhece e revela mestras e mestres da cultura popular, como por exemplo, mestra Nenete, mestra Aurinda, mestre Risadinha e mestre Madeira. A ancestralidade é manifestada na prática. Ao observar atos como este e muitos outros, identificamos a coerência entre o que se fala e o que se faz.

Na Paraguassu a capuêra é cultivada no dia-a-dia como um modo atento e alegre de viver.